Amsterdam: o movimento Provos, a origem da liberdade e algumas fotos

Lembrei hoje que fiquei devendo um artigo sobre a nossa viagem para Amsterdam. A Nah havia falado sobre o hostel que ficamos e sobre a sensacional Heineken Experience. Mas nada foi dito sobre a cidade em si.

Talvez por receio de cair no clichê: “sexo, drogas e bicicletas”, deixamos passar. Mas hoje estava vendo as fotos da viagem e a vontade de escrever logo veio.

Amsterdam é mesmo tudo o que você sempre ouviu falar. Terra da liberdade, das prostitutas, da maconha, das bicicletas, do Van Gogh Museum e dos canais.

van gogh museum. Um "must see" e tanto!
van gogh museum. Um “must see” e tanto!

Mas também é o berço de um importante, porém pouco conhecido movimento anarquista, que mais tarde seria o responsável direto por fazer de Amsterdam o que ela é hoje: os Provos.

” Não podemos convencer as massas, e talvez sequer nos interesse fazer isso. O que podemos esperar deste bando de apáticas, indolentes, tolas baratas? É mais fácil o sol surgir no oeste do que eclodir uma revolução nos Países Baixos (…) O homem médio é um comedor de repolhos, improdutivo, não-criativo, emotivo. Alguém que se diverte fazendo fila nos guichês”.

O trecho foi retirado da primeira edição da revista “Provo”. Está publicado em um artigo que achei na rede escrito pela jornalista Joana Coccarelli, que mais tarde, descobri ser uma grande conhecedora da história e da cultura de Amsterdam. Links ao final do texto.

Uma outra frase da revista que Joana publicou é incrível. Demonstra o desejo do grupo de lutar contra o sistema, mesmo convictos que, cedo ou tarde, fracassariam. “Provo tem consciência de que no final perderá, mas não pode deixar escapar a ocasião de cumprir ao menos uma quinquagésima e sincera tentativa de provocar a sociedade”.

Achei demais! Um tanto quanto uma versão positiva do trocadilho “os meios justificam os fins”. Por que não fazer pelo simples fato de saber que sua ação causou um impacto? Cedo ou tarde esquecido, convenhamos… mas foi algo. Uma tentativa de mudar o que não estava de acordo com o que acreditava.

O humor, a criatividade e o sarcasmo eram as marcas registradas do grupo, que protestava contra a nicotina ao mesmo tempo em que propagava seu desejo em legalizar a maconha.

De acordo com Coccarelli, em 1964 foi lançado o Marihu Project, um plano para reivindicar a legalização da maconha – os Provos viam o cigarro como uma droga liberada – e zoar com a polícia. “Espalharam por Amsterdam centenas de maços pintados à  mão com desenhos fluorescentes, contendo baseados feitos com folhas secas catadas dos parques, algas, palha, pedaços de cortiça e também, naturalmente, a boa e velha cannabis. Concomitantemente, fazem circular cartas com as regras do jogo: ‘Cada um pode fabricar sua Marihu. Cada qual pode criar suas próprias regras, ou omiti-las'”, explica a jornalista.

Uma das formas que encontraram para abrir a discussão sobre a cannabis foi o jogo Marihuettegame. O objetivo era pregar peças na polícia, atraindo-os para supostos locais de venda e consumo da droga. Para isso eles próprios denunciavam o que, na verdade, era chá, comida de gato e especiarias reunidos em um local suspeito. Nada de maconha.

you got me working, working...
you got me working, working…

Ganhava-se pontos quando os participantes eram pegos pela polícia fumando alucinógenos como…….. orégano.

Um dos co-fundadores do Provos, Robert Jasper Grootveld (tão roots que só possui link na wikipedia em holandês), detalhou um episódio épico de Marihuettegame à revista HighTimes, de janeiro de 1990:

“Um dia um grupo de nós viajou de ônibus para a Bélgica. É claro que eu havia informado meu amigo Howeling (um policial) que alguns elementos poderiam estar levando maconha. Em alguma parte da viagem os policiais estavam esperando por nós. Seguidos pela imprensa, nós fomos tirados do ônibus para que uma varredura fosse feita. Pobres policiais… tudo o que eles encontraram foi comida para cães e algumas ervas legais. ‘Maconha é comida de gato’, tiraram sarro os jornais no dia seguinte. Depois disso, os policiais decidiram parar de nos perseguir, temendo cometer mais atos estúpidos”.

A história completa dos Provos foi registrada no livro Provos – Amsterdam e o Nascimento da Contracultura, de Matteo Guarnaccia. Uma das poucas bibliografias sobre os malucos no mundo – quase raro no Brasil pelo que percebi em pesquisa rápida.

O motivo de pouco sabermos sobre eles é porque sua atuação ficou muito restrita aos Países Baixos, exceto por algumas aventuras sem muita repercussão em outros países europeus.

Para não abandonarmos nossa querida Londres é legal dizer que os membros dos Provos estiveram aqui e se envolveram com o meio artístico. A doidona Marijeke Koger foi responsável por desenhar os figurinos de Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles.

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Provos foi isso e muito mais.

Em pouco mais de uma hora lendo sobre os caras deu pra se interessar cada vez mais pelo livro de Guarnaccia. Entrou pra interminável lista de leituras pendentes.

Mais do que anarquistas, maconheiros e libertários, os Provos também foram responsáveis por transformar a bicicleta no símbolo que hoje ela é na Holanda e por tentar derrubar a indústria do tabaco. Se quiser saber mais, têm umas sugestões de leitura lá embaixo.

Bom, eu havia ficado devendo um post sobre Amsterdam e, pelo que escrevi, quase descumpri meu objetivo. A princípio ia só falar um pouco sobre os caras, mas à medida que fui lendo sobre senti que eles mereciam uma atenção maior. Acho que o viajante consegue se envolver muito mais com a cidade que visita quando lê previamente sobre sua história, cultura e fatos marcantes.

Pra não deixar você na mão quanto Amsterdam pura e simplesmente, fique com algumas viagens fotográficas “made in Holland”.

ainda no trem, a caminho de Amsterdam
ainda no trem, a caminho de Amsterdam
esse carrinho contava com um som poderoso e levava barris de chopp no meio. Só anda se todos pedalarem
esse carrinho contava com um som poderoso e levava barris de chopp no meio. Só anda se todos pedalarem
o clichê
o clichê
muitas ruas são assim
muitas ruas são assim
a alta gastronomia
a alta gastronomia o red light district
o vondelpark
o vondelpark
a arquitetura
a arquitetura
as bicicletas
as bicicletas
dia d
dia d
saunday morning
saunday morning
não podia faltar um desses
não podia faltar um desses
vespas e lambretas não faltam
vespas e lambretas não faltam

Pra encerrar o assunto sobre os Provos, independente dos ideais que os caras acreditavam – que podem não ser os mais corretos para muitos – eles são um exemplo para todos nós, acomodados diante de nossos próprios pesares e lamentações.

Dão um tapa na cara de quem tá dormindo no sofá enquanto a vida passa. Quem sabe eles não nos inspiram a levantar a bunda do sofá pra lutar por alguma causa?!

Mais sobre Amsterdam

Se você quiser ler algo que retrate o lado “verde” de Amsterdam em um estilo mais “jornalão que não quer se comprometer”, leia essa matéria da Folha. Tá tudo ali de forma objetiva e com cara de “fui, mas só fiquei olhando”.

Agora, se você quer uma versão mais nua e crua, não deixe de ler este artigo da Joana Coccarelli.

Mais sobre os Provos

Matéria da revista High Times

A contracultura é laranja fluorescente – por Joana Coccarelli

A rebeldia nasceu na Holanda – por Joana Coccarelli

Resenha do livro Provos – Amsterdam e o nascimento da contracultura