Como curar dores, fazer diferente, mudar e evoluir se está “tudo bem”?

Esses dias eu saí para fazer um treino de bike de 40km e fiquei chateado ao me dar conta de como é fácil ver desmoronar algo que demanda tempo e esforço para ser construído.

O ano tem sido bem difícil em razão de uma dor nas costas muito chata que, dentre outras coisas, tem me impedido de me dedicar ao ciclismo como anteriormente.

Há exatamente um ano eu estava no auge da minha forma física. Morávamos na Itália, em Bergamo (Lombardia), cidade é rodeada por uma cadeia de montanhas que fazem a região ser um parque de diversões para ciclistas.

Estava na fase final de treinamento para o maior desafio ciclístico que já encarei na vida – a Maratona dles Dolomites, prova duríssima que rola anualmente em julho na que é, pra mim, a mais fascinante região da Itália.

As dolomitas fazem parte dos alpes e são Patrimônio Mundial da Unesco. Se estendem por uma área imensa que contorna as regiões do Vêneto e do Trentino Alto Adige – que faz fronteira com a Áustria. O cenário, tomado por paisagens bucólicas e montanhas imensas, é surreal.

Uma verdade sobre a Itália é que as cidades clássicas oferecem uma bela, porém injusta, imagem do país. Há muito a se descobrir além de Roma, Venezia, Firenze e Milano. De ponta a ponta da bota.

Dolomitas - italia-
Durante um hiking que fizemos na primeira vez que fomos para as Dolomitas. Era novembro. No dia seguinte a essa foto a neve tomou conta de tudo o que você está vendo

No primeiro semestre de 2018 eu segui uma rotina intensa de treinos para encarar a prova, que me aterrorizava na mesma proporção que me encantava pela oportunidade de pedalar no lugar que se tornou o mais especial do (meu) mundo. O percurso tinha escaladas que chegavam a quase 12km de distância. Eram montanhas clássicas do ciclismo mundial, presentes em várias edições do centenário Giro D’Itália. Um sonho!  

Eu tinha me inscrito para a prova principal. Um percurso de 138 km com 4.230 metros de subida acumulada. Pra ser sincero, mesmo com os treinos em dia, eu não tinha plena convicção de que iria conseguir concluir o desafio. É brutal!

Durante a prova. Sente o drama do cenário

Bem por isso, fui cauteloso. Como eu estava receoso de “quebrar” durante as longas horas de prova, controlei o ritmo, fiz pausas generosas para me alimentar/alongar e, por isso, no último checkpoint, lá pelo km 85, acabei chegando depois do do tempo de corte necessário para concluir o desafio principal.

Ainda assim, concluí o percurso B. Foram 108km, sendo que 44km foram só de subida, e mais de 3.130 metros de altimetria acumulada. Não vou me alongar nos detalhes da prova aqui, mas se você quiser saber mais sobre, me conta. Eu até já escrevi um relato pós-prova, mas nunca cheguei a publicar.

Maratona dles dolomites
Chapado de montanha

Ainda que, na época, eu já estivesse sofrendo com as dores nas costas que comentei no último post, a situação estava controlada. Eu me sentia ótimo. Corpo em forma, pernas fortes e mente equilibrada. Depois da Maratona encarei alguns outros desafios na magrela, como subir os 23km do Passo dello Stelvio, segunda estrada asfaltada mais alta da Europa. 

Passo dello Stelvio
A 2757 metros de altitude, no (quase) topo da Europa. Fronteira entre Itália e Suíça

Combustível infinito…até que acabe

Uma das coisas que gosto muito no esporte é a sensação de fazer do seu corpo o combustível pra se movimentar e escalar grandes montanhas. Ciclismo tem muito a ver com superar limites, claro. É um negócio duríssimo. Mas tem o outro lado.

Sempre que estou na bike por longas horas sinto que rola uma espécie de meditação. Na Maratona, por exemplo, foram 6h sentado no selim e mais umas 2h de pausas pra comer/alongar/hidratar. Pensa onde sua cabeça pode ir numa jornada dessa, quando se está sozinho na maior parte do tempo.

Depois dessa temporada na Itália passei a sonhar cada vez mais alto no esporte. Não em um sentido de competir, mas de viver experiências pelo mundo. Um desafio que estava começando a planejar é a North Cape 4k, que sai da Itália e vai até o Pólo Norte.

São 4.000 km em vários dias, sem data determinada de chegada. Quando percebi que meu corpo aguentava uns trancos na magrela, pedalar até o Pólo Norte se tornou um sonho alcançável.

À parte do esporte, o trabalho também ia bem. Estávamos com muita coisa legal rolando na Handmade Content. Um deles foi o Sebrae Trends. Assiste o vídeo abaixo que você vai entender.

Foi um projeto que criamos para o Sebrae-PR com o objetivo de compartilhar conteúdo sobre tendências e inovação para pequenos e médios empresários a partir de descobertas que fazíamos em nossas viagens.

Estávamos certos de que tudo estava bem encaixado

Mas a vida é uma gangorra. E, porra, como é difícil lidar com isso, não?

Com o passar dos meses minha dor foi piorando até chegarem os dias, lá por dezembro (2018), que eu estava acordando quase toda noite simplesmente por não conseguir dormir de tanta dor.

O ápice do sofrimento, lembro até do dia, foi em 28/12, quando eu estava no meio de outro desafio de bike. O Festive 500, que já foi pauta aqui, consiste em rodar 500 km entre o Natal e o Ano Novo. Eu havia feito nos dois anos anteriores, mas em 2018 tive que abortar lá pelo km 240 porque acordei chorando de dor. Literalmente.

De lá pra cá, a coisa foi ruindo. Dores aumentando. Muitas noites mal dormidas e dias à base de ibuprofeno. O pior é que até hoje não consegui obter um diagnóstico 100% preciso do que se trata. Algumas suspeitas que envolvem lesões musculares, mas nada cravado.

Entre os tratamentos, já fiz de tudo um pouco. Quase tudo sem sucesso. Mas, entre acertos e erros, hoje estou no combo pilates + fisioterapia + aulas variadas na academia + bicicleta (retomando aos poucos) + complexos vitamínicos + anti inflamatórios naturais + qualquer dica que alguém me dê. Aliás, tem alguma aí?

A boa notícia é que me sinto melhor do que já estive. Ainda penando, mas bem mais otimista do que há alguns meses. Mas, como falei no início, toda a construção que fiz no ciclismo praticamente se foi. O desempenho está há anos-luz do que estava no ano passado. Em menos de 5 meses, a coisa desandou.

O Pólo Norte vai ficar na gaveta por alguns anos. Paciência.

Texturas dolomíticas
Texturas dolomíticas

No trabalho também temos questionado muito

Se há um ano os caminhos estavam mais nítidos na nossa empresa, hoje já não tanto assim. Nem sempre, ou quase nunca, é fácil enxergar o futuro de um negócio ou de uma carreira. As certezas são sempre menos presentes do que as dúvidas, concorda?

Ainda mais em tempos em que tudo tem mudado tanto, tão rapidamente e que a imprevisibilidade nos negócios e no futuro do trabalho é quase regra.

Só que, de um jeito de outro, é preciso tomar decisões e seguir em frente.

Penso que o maior desafio nessas horas é, sobretudo, respeitar a si mesmo, entender seu momento e encontrar o equilíbrio entre as decisões racionais – que podem fazer mais sentido profissionalmente – e as decisões emocionais – que talvez te afastem um pouco dos objetivos de carreira, mas que podem trazer mais paz de espírito.

Mas como fica essa equação?

A sociedade do cansaço

É claro que não sou eu, que não tenho nem as minhas respostas, quem vai resolver. De novo, não existe resposta certa. Mas os livros, ah os livros, sempre ajudam.

Esses dias terminei a “Sociedade do cansaço” , de Byung-Chul- Han. Uma leitura que me fez refletir bastante sobre o ritmo acelerado e de enorme cobrança que vivemos. Acompanhe esse trecho:

“O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos.

Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal.”

Milano

Ou seja, em busca de uma liberdade (talvez erroneamente) idealizada, nos agredimos

A premissa do livro é fornecer uma luz para quem busca a paz em meio a tempos de tensão, de cobrança e de discursos MUITO embasados por um pires raso de motivação exagerada. Pra entender isso basta abrir suas redes sociais e ver o papo furado de “gurus/coachs/influencers/betinas” que pagam de seres supremos, mas que só querem te vender um curso online que na maioria das vezes é tão vazio quanto o discurso amparado por gatilhos mentais e técnicas de neuromarketing.

Sociedade do Cansaço não é um manifesto da preguiça, do hedonismo e de largar tudo pra vender artesanato na praia, mas sobre parar para refletir, questionar, fazer diferente. Respirar.

Achei esse trecho genial:

“Quem se entedia no andar e não tolera estar entediado, ficará andando a esmo inquieto, irá se debater ou se afundará nesta ou naquela atividade. Mas quem é tolerante com o tédio, depois de um tempo irá reconhecer que possivelmente é o próprio andar que o entedia. Assim, ele será impulsionado a procurar um movimento totalmente novo.”

Mas, voltando à gangorra, o lado positivo dessa história da dor nas costas é que o caos está proporcionando um processo profundo de autoconhecimento. Tenho buscado maior equilíbrio e tentando encontrar as raízes pra esse problema até na esfera emocional/espiritual/profissional.

Dia desses, enquanto estávamos no bar conversando sobre os altos e baixos da vida com o irmão da Nah e a noiva dele, comentávamos que esses momentos de dificuldade/tristeza/questionamento podem ajudar a criar as bases para novas rotas, novas ideias e novas soluções.

Afinal, desde que o Sapiens surgiu na Terra, somos nômades. A busca por mudar está dentro de nós – ainda que toda mudança seja quase sempre muito difícil de colocar em prática. Seja de posição geográfica, de estilo de vida ou de qualquer coisa que desejemos.

Mas a verdade é que a maioria das mudanças decorrem da dor, da insatisfação, de problemas e de inquietudes. Afinal, como curar dores, fazer diferente, mudar e evoluir se está “tudo bem”?

Problemas despertam ações.

Bem por isso, sigamos!

Gostaria muito de saber o que você pensa sobre isso. Conta aí? Vamos compartilhar ideias, experiências ou desabafos.

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Tomar uma decisão difícil é melhor do que cozinhar um problema

O tempo passa!

Lá se vão 22 meses desde que publicamos o último artigo aqui. Nesse período, refletimos muito sobre tirar o blog do ar, retomar as atualizações periódicas ou apenas mantê-lo respirando sob aparelhos. Foi o que acabou acontecendo. Desapegamos. Mas não esquecemos.

Nos últimos dias eu recebi mensagens de parabéns no LinkedIn pelo aniversário como editor no Pra Ver no Mundo e isso me fez lembrar (de novo) do quanto esse espaço é especial pra nós.

A verdade é que sentimos muita falta de compartilhar nossas viagens e aprendizados por aqui, mas a simples verdade é que cansamos.

Manter um blog ativo e atualizado constantemente com conteúdo de qualidade dá um trabalho enorme. Pode dar retorno. Pode empatar. Pode dar prejuízo. É um negócio incerto. Talvez promissor.

Isso, somado ao fato de que nosso trabalho principal é também ligado à gestão de conteúdo, estava nos fazendo passar muitas horas (muitas mesmo) sentados em frente ao computador. Fazendo as mesmas coisas repetidamente. E outras boas horas queimando neurônios pra fazer tudo funcionar.

Não estava tudo bem. Pifamos.

Estávamos mentalmente esgotados. Nos cobrávamos muito. Nos sentíamos culpados por não dar conta de executar o planejamento. A frustração era grande. Estávamos vivendo em um ciclo vicioso perigoso para a mente.

De quebra, o corpo começou a emitir sinais de alerta quando nos presenteou com hérnias de disco e dores cervicais, herdadas do ofício jornalístico de mais de 10 anos trabalhando em frente ao computador.

handmade content

Tomar uma decisão é melhor do que cozinhar um problema

O Pra Ver no Mundo nos acompanha há nove anos, bem como a nossa empresa, a Handmade Content (antiga LondonPress). Por muito tempo conciliamos as duas atividades, trabalhando duro para equilibrar os pratos – e isso funcionou por alguns anos.

A empresa seguia com um nível de crescimento sustentável e a audiência do blog também, ainda que contando com os solavancos inerentes à toda jornada empreendedora. Só que chegou uma hora que percebemos que precisávamos abrir mão de algo. Foi ficando cada vez mais claro que esse foco compartilhado nos faria patinar de algum lado ou surtar de tanto trabalhar.

Era muita coisa pra pensar, muita coisa pra fazer. Sempre tinha algo pendente.  

Foi quando decidimos fazer uma pausa sem aviso prévio e sem tempo determinado no blog e focar nossas energias na Handmade, decisão que nos tirou um peso enorme das costas. E nos permitiu viver melhor e com menos culpa.

Quando o Pra Ver no Mundo era um projeto que levávamos muito a sério, toda viagem que fazíamos – mesmo que de férias – era, também, a trabalho. Precisávamos registrar muita coisa em tempo real, seja em fotos, vídeos ou anotações. Tínhamos preocupações que iam muito além do que rola em uma viagem de lazer.

Em nov/2017, já não mais blogueiros, nas Dolomitas

Tínhamos a sensação que nossa vida era uma eterna jornada de trabalho

E foi bom que enxergamos isso antes de sofrer com problemas mais graves – ainda que as minhas costas me lembrem diariamente do contrário.

Se antes eu me preocupava em fotografar até o cardápio dos restaurantes, hoje eu, às vezes, viajo sem nem levar a câmera. Pode parecer bobagem, mas é libertador!

Quando optamos por nos afastar do blog, a vida se tornou mais leve e produtiva.

Nesses quase dois anos que ficamos longe do blog aconteceu muita coisa. Fizemos viagens muito legais por diversos lugares da Itália, Holanda, Bélgica, Hungria, Alemanha e Áustria. Ah, tiveram uns dois ou três pulos em Londres pra matar a saudade também.

De quebra, mudamos de Bologna pra Bergamo e, depois, pra Espanha. Escrevo direto de Valencia, a capital mundial da paella, onde estamos há três meses depois de quase dois anos de Itália.

A cidade alta da nossa amada Bergamo

Mas é claro que nunca esquecemos o Pra Ver no Mundo

Foram muitas as vezes em que nos pegamos conversando sobre retomar o blog. Escrever nesse espaço é um exercício muito prazeroso e divertido. Sempre foi nossa válvula de escape dos temas densos que enfrentamos no dia a dia com os clientes da Handmade e suas pautas ligadas a negócios.

E como hoje alcançamos um equilíbrio mais saudável entre trabalho e tempo livre, lá veio o monstrinho da blogosfera nos cutucar.

Mas, sinceramente, ainda não encontramos o perfil editorial ideal. Aquela coisa de simplesmente postar sobre destinos e dar dicas perdeu um pouco do sentido pra nós. Tudo bem que esse nunca foi bem o nosso foco, mas cansamos um pouco da vida de blogueiros de viagem.

Ainda que tenhamos algumas ideias sobre cobrir temas que giram entre nosso estilo de vida, trabalho remoto, nomadismo digital, livros que temos lido e pequenos prazeres da vida, estamos num processo de autoconhecimento e redescoberta editorial.

É possível (provável?) que essa conversa de hoje não leve a nada e que fiquemos mais um longo inverno longe daqui, mas não é esse o plano. De verdade!

valencia
Os ares mediterrâneos de Valencia

Aliás, você nos ajudaria muito dizendo sobre o que gostaria de ler. Alguma dica? Isso se ainda tiver alguém por aqui. Tem?

O Pra Ver no Mundo nos ensinou muito e nos rendeu boas amizades. Não faz nem dez dias que estivemos em Londres reencontrando amigos queridos que conhecemos graças a esse espaço e, acredite, conhecendo uma nova (antiga) leitora.

Esse tipo de coisa é que sempre fez tudo valer a pena. A gente sabe que nosso trabalho gerou um impacto positivo na vida de muitas pessoas e que inspirou outras tantas a seguirem seus sonhos.

E isso me faz lembrar que uma das razões pelas quais eu decidi fazer Jornalismo era porque eu queria gerar um impacto positivo no mundo. Ainda que, nesse caso, esse mundo seja restrito ao alcance do Pra Ver no Mundo, sou feliz por saber que isso se concretizou.

E, ainda que eu esteja contradizendo o que diz o que escrevi no título, sinto que tenho o dever de continuar essa missão. Você concorda?

Londres, abr/2019

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